A culpada

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Nenhuma literatura está livre de ficção. E nem de verdade.

domingo, 16 de junho de 2013

III

Levei meu cão para passear na Lagoa Rodrigo de Freitas após voltar da faculdade.
Peguei um baita trânsito saindo da tijuca e precisava dar uma relaxada, só não sabia como. Antes mesmo de  abrir a porta, já podia ouvir Edward arranhando a porta ansioso com minha chegada. Deparei-me logo com uma revista comida em cima do sofá. Recolhi, dei-lhe umas palmadinhas e logo depois, toda arrependida,  pensei: "Como é bom ser recebida desse jeito! Não há nada melhor no mundo que sentir raiva por apenas um segundo e sentir um amor sem dimensão de tempo logo em seguida!".
Troquei de roupa, coloquei no Ed e fomos.
Chegando lá, soltei-o e me sentei para vê-lo brincar com seus amiguinhos. Naquele momento, me sentia como uma mãe que leva seu filho ao parquinho e fica toda boba vendo sua cria fazendo novas amizades. Depois de certo tempo, me juntei aos donos de alguns dos cachorros que ali brincavam e começamos a conversar sobre nossos amados animais. Uma história mais engraçada que a outra sobre celulares, bolsas, roupas, chinelos e até mesmo controles remotos destruídos. Eis que uma das donas se pronuncia:
- Vocês reclamam dos cachorros porque não experimentaram ainda ter cachorros e uma criança!
- Mas você não se sente sozinha ou vazia de modo algum, não é mesmo? - Respondi automaticamente e, com um enorme e espontâneo sorriso, a mulher retrucou:
- Não!

O dia se passou e pensei nisso até a hora da janta, que foi quando finalmente estive com minha mãe.
- Mãe, o que você acharia de ter um neto agora?
- Acharia engraçado.
- Engraçado por que?
- Porque não consigo imaginar essa hipótese.
- Por que? Por eu ser solteira?
- Não, não... Sei que isso não diz muito nos dias de hoje, e, bem, conheço a filha que tenho. E, por conta disso, acho que você não seria idiota de se descuidar quanto a isso.
- Como assim "me descuidar"?
- Ué, deixar isso acontecer!
- Já parou pra pensar na possibilidade de eu querer que aconteça? - Mamãe, sem perceber, gritou com Edward, que estava dando a pata há séculos pedindo a comida. - Eita! Não precisa falar assim com ele!
- Como assim não precisa, Catarina? Quer dizer, realmente não preciso falar assim com ele, mas com você... Você merece uma surra! Tem noção do que disse? Que diabos você pensa da vida? Que pode ter um filho antes de terminar a faculdade? Com um cara qualquer? Você tem estrutura pra criar essa criança?
- Sei que não, mas mãe...
- Claro que não! Mas acha que a idiota aqui ia cuidar do seu filho enquanto a dondoca sai pras baladas e volta de manhã na hora de dar a papinha... Pelo amor de Deus, Catarina, pelo amor de Deus!
- Mãe, eu não disse que vou ter um filho.
- Sim, não disse porque ainda não está grávida.
- Sim. Não estou e vou me cuidar para me manter assim, pode ficar tranquila.
- Olha, eu acho bom, mesmo!
- Eu não... Mas infelizmente vai ser assim. Te garanto.
- "Infelizmente"... Que Deus não escute a besteira que você disse! E olha, nem pense em comentar isso com seu pai quando ligar pra ele. Sabe que ele é um imbecil e vai começar a dizer que isso é coisa minha, que eu não te criei direito, que não teve filha pra isso...
- É, sei...
- E aproveita e pede dinheiro pra ele, porque eu já não tenho mais pra te dar.
- Tudo bem. Boa noite.
- Ué, já vai dormir?
- Não. Vou só ficar no quarto. Só desejo que sua noite possa ser melhor que a minha, porque a minha já não tinha como ser boa, mas agora, depois de tudo que ouvi, não tem como não ser horrível.
- Ai ai... Coitadinha! Ainda tenho que ouvir uma coisa dessas... - Disse rindo ironicamente. - Ah, vai arranjar o que fazer, menina à toa! E limpa o xixi que o Edward fez na sala!

E a porta do quarto se fecha. E a do mundo, também.